segunda-feira, 24 de junho de 2013

São João das Ruas

Há sem dúvidas várias coisas que me fazem amar a época do São João. O cheiro da fumaça das fogueiras que impregnam nossas roupas, os fogos de artifício explodindo interrompendo os forrós das velhas senhoras e o fato de que quatro quintos da mesa está repleta de receitas que levam milho.


É na infância que criamos os nossos conceitos sobre tudo. Se houvesse nascido e sido criado no bairro dos Aflitos (onde moro desde os 11 anos), nunca teria boas memórias das festas juninas. Eu estaria com meus amigos falando sobre parentes bêbados andando pela casa inteira enquanto assistia novela com os primo. Mas não foi assim glória a deus.


Meus feriados de São João eram na sua maioria na casa da minha avó no Ibura. Para quem não conhece o Recife, o Ibura é um bairro enorme que se divide entre acá e Jaboatão dos Guararapes. Para quem vem da Zona Norte, pega-se a BR-101 para poder chegar lá e se você for de transporte público, são dois ônibus e um metrô de superfície. A cidade é pequena em si, pelo menos para mim, mas as ruas e avenidas daqui fazem de tudo para evitar que se perceba o seu tamanho diminuto para uma metrópole.


O Ibura se divide em duas partes, Ibura-de-baixo e Ibura-de-cima. Pelo simples fato que boa parte do bairro se encontra em cima de vários morros de barro que em tempos mais distantes eram fazendas de pequenos agricultores da região. O Ibura (O de-cima especificamente), como minha tia fala, é uma cidade de interior dentro da cidade. Ela é isolada e autônoma, quase nunca se precisa sair de lá, e quando se precisa, não se vai muito longe. Lá em cima se encontra mercadinhos, feirinhas, academias, clubes, escolas públicas e particulares, lojas, salões de beleza e ainda as lanhouses. Várias favelas também são encontradas lá, elas se emendam com as ruas através de becos estreitos que descem barranco abaixo. Quando se precisa sair de lá, um ônibus para ir para a Cidade Universitária, outro para a Praia de Boa Viagem e um ônibus integrado (ônibus + metrô) para ir para Cidade, descendo na Estação Central do Recife no bairro de São José.


O Ibura cria esse cenário interiorano não longe de casa que no São João ascende suas ruas com decorações de bandeirolas, balões e claro, várias fogueiras.


Quando criança, me arrumava com uma boa calça jeans e uma camisa xadrez a caráter para irmos brincar com o fogo. Sei que lendo assim, parece até que eu era uma criança no mínimo estúpida, mas eu acredito que as crianças se animam com a fogueira por causa do poder do fogo.


Comprávamos nossos fogos, que pela idade o máximo que podíamos brincar era com as bombinhas Bichas, que faziam um barulho assustador quando era mais novo, mas agora as equiparo com traque de massa. Os traques de massa ainda nos animava bastante. Pregávamos peças como colocar várias debaixo do pano de chão na soleira da porta da frente e esperar alguém tomar um susto. Vou aproveitar para agradecer a todos os adultos da época que fingiram se assustar de fato e fizeram suas melhores caras de raiva logo em seguida.


Claro que quando só se brincava com bombinhas era fácil admirar qualquer um que soltasse as bombas mais fortes, como a bomba rojão e a bomba cordão (que até hoje eu nem ouso estourar). Os garotos mais velhos se exibiam ao retirarem do bolso aquela bola grande arrodeada de vários barbantes coloridos com um pavio curto que compraram escondidos das suas mães. Ai como as mulheres das bancas de fogos se aproveitam dessas cabeças imaginativas... Nos escondíamos atrás dos degraus de calçada da ladeira ou mesmo em um beco estreito colocando o olho para fora para vermos o bloco de tijolo se espatifar. Como é bom isso.


Quando compramos nossa primeira bomba cordão colocamos num buraco numa parede e ficamos impressionados com o estrago causado. Não foi grande a ponto do muro cair, como queríamos, mas o um centímetro a mais no diâmetro já foi uma alegria extrema.


Certas alegrias que bairros como os Aflitos nunca vão proporcionar. Talvez elas sejam uma alegria diferente, mas quando olho para essas crianças soltando fogos dentro do clube com uma caixa de fósforo roubado da cozinha, eu diria que é uma alegria mais segura. Viver isolado nessas caixas que chamamos de apartamento, entre essas ruas agitadas, criam uma bolha em torno da infância.


Em 2011, fui estudar pela manhã, meu colégio ficava no bairro das Graças onde se encontra três dos principais colégios religiosos tradicionais. Como pela manhã as ruas são mais seguras, sempre se encontra as ruas infestadas por crianças e adolescentes vestidos de calça brim azul marinho (cor quase que padrão entre colégios tradicionais recifenses) e camisas pólos brancas. A época de São João coincide com a época em que as escolas começam a liberar os alunos para as férias de julho aqui em Recife, então quando os alunos entravam de férias alguns traziam fogos e iam soltá-los nas ruas paradas entre o Colégio Marista e o Colégio Agnes (onde eu estudava). Já no meu antigo colégio, só entrávamos de férias pontualmente no dia de 1 de julho para voltarmos pontualmente em 1 de agosto (caso caísse num dia de semana), mas ainda assim era comum ouvir os garotos mais novos do prédio do Ensino Fundamental 2 se vangloriando de suas tentativas de tentarem explodir um vaso de privada. Eu nunca vou entender isso, ainda acredito ter que ser muito tabacudo para um feito desses.


As memórias de São João nos Aflitos se baseavam na alegria de estar livre do colégio por um mês inteiro. Era uma alegria diferente realmente, mas não eram de fato o que o São João representava para mim. Para mim era ir para as ruas suburbanas, comer canjica e juntar moedas para comprar mais fogos. Nos arriscávamos, mas descobríamos.


Os dias acabavam com um vulcão de fogos que soltava faíscas para o alto, para junto das nuvens e para longe da fumaça da fogueira, iluminava a noite como se o sol houvesse chegado e nós ficávamos ali sentados, com os dedos fedendo a pólvora e segurando uma espiga de milho queimada que nós mesmos havíamos assado.

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