sábado, 7 de junho de 2014

Não me deixem interpretar texto!

Ao longo da minha vida escolar eu fui abençoado com ótimas professoras de português e lembro de cada uma delas com o maior carinho. Além do meu pai que já tentou se engajar numa licenciatura em Letras e hoje em dia ensina voluntariamente língua portuguesa para pré-vestibulandos em uma comunidade carente. Apesar de não ser mestre em gramática ou não conhecer de cor todos os estilos literários e técnicas de redação, Língua Portuguesa é/era minha matéria favorita. Hoje mais do que a gramática e literatura, a história, os dialetos e o valor do português são parte dos meus assuntos de interesse. Quando a faculdade de Direito me dá brecha, eu sempre gosto de ler uns artigos aqui e uns livros lá.
Como por exemplo, recentemente um dos meus temas favoritos começou com uma discussão num fórum na internet onde um cara fez uma das afirmações das quais eu mais odeio: "Nossa língua é o brasileiro". Essa afirmação me fez ler sobre a origem do grupo de dialetos do português brasileiro e resultou na minha descoberta da Galiza e de um grupo de linguistas da região que defendem que seu idioma pudesse ser chamado de "português galego" e tudo isso resultou numa postagem no Gonca livros - "Galego, a nosa lingua?".
Contudo, na mesma matéria que eu amava tanto, tinha lá também os momentos que eu mais odiava no meu período escolar e principalmente no ensino fundamental 2, as aulas de interpretação textual. Eu penei muito nessas aulas. Eu as odiava mais do que as aulas de ensino bíblico. Eu reclamava com minha mãe que não queria fazer a prova porque não era bom nas aulas de interpretação e que aquilo tudo era apenas o mundo conspirando para que eu tirasse mais uma nota baixa na prova. E falo a verdade. As minhas provas eram divididas em sessões: interpretação de texto, gramática, literatura e redação. Quando recebia minha prova eu coletava alguns erros nas outras três partes que somavam com um quase zero em interpretação textual.
Nada era mais assustador para mim, quando minha professora de português anotava no quadro as páginas do exercício do dia e eu já arregalava os olhos pensando: "eu acho que isso é exercício de interpretação", e logo em seguida quando tirava meu livro da bolsa e descobria que meu pensamento anterior era verdade, eu ficava extremamente ansioso e me entediava rapidamente. Meu prédio do EF tinha dois andares e eu estudei no último por três dos quatro anos lá dentro. Quando tínhamos aulas de interpretação de texto eu me levantava, ia ao banheiro no primeiro andar ou beber água no térreo, tudo para que eu permanecesse mais tempo nos corredores. Isso quando a professora não falava que nos liberaria só se terminássemos nossos exercícios ou que estes valiam nota. Aí eu me esforçava para ser o mais mecânico o possível.
Também não serei hipócrita e não afirmar que gostava de fazer os exercícios em dupla simplesmente porque eu conversava a aula toda e me apoiava no meu amigo que sempre conseguia responder de forma que a professora aceitasse. Eu não tinha que responder ou quebrar minha cabeça com interpretações que não me interessavam. Mas também nada me incomodava mais do que assistir uma pessoa interpretar um texto da forma mais errada que eu acreditava que poderia ser, mas ainda assim era o melhor. Eu me roía de ansiedade porque eu era prepotente o suficiente em acreditar que eu faria melhor. 
Nessas aulas, o que eu mais odiava ainda era esse intervalo de tempo exato chamado "a correção". Tudo se resumia na correção. Eu não gostava das aulas de interpretação de texto porque eu nunca conseguia responder da forma certa e na hora da correção nada gelava mais meu sangue quando a professora apontava o piloto (ou pincel atômico como elas diziam) na minha direção e nada me fazia querer desaparecer mais ainda quando a professora entortava o nariz quando eu falava a minha resposta. Eu simplesmente me punia demais.
Na época, eu queria simplesmente poder interpretar o texto do jeito que eu acreditava estar interpretando bem e não queria ser resumido a responder sistematicamente aquelas respostas chatas. Onde? Quando? Como? Quem? Eu queria não ser reprovado porque eu achava que o personagem estava na verdade se sentindo triste e não confuso ou que eu acreditava que um texto poderia acontecer em épocas diferentes e não perder o sentido. Eu queria pode pensar out of the box, como se diz. Eu havia percebido isso pela primeira vez quando falei para minha professora de português "Eu queria interpretar do jeito que a senhora espera, mas eu não consigo" e ela respondeu "Estude mais". Isso me destruía. Não queria que me deixassem interpretar texto porque eu não gostava do jeito como eu o fazia.
Em 2012 decidi que iria pensar "dentro da caixa", e foi quando pedi ajuda a uma amiga minha com materiais ou qualquer coisa que me mostrasse como eu deveria responder para que eu conseguisse me dar bem no meu ano de vestibular. E foi então que aprendi a "interpretar bem".
Hoje, cinco anos depois de ter me formado no EF e dois anos depois do Ensino Médio, eu ainda não consigo compreender o motivo pelo qual avaliam a interpretação textual de um aluno a partir de padrões prontos. Não é esperado que os alunos consigam compreender o texto, mas que eles consigam compreender o texto da mesma forma que muitos o compreendem. Já me falaram que a importância é gerar no aluno o raciocínio lógico-criativo através desses exercícios e que eles precisam de orientação para conseguirem andar nos seus próprios pés. 
Acredito que aula de interpretação de texto se soma ao grupo de problemas que justificam acreditar que o modelo de escola hoje em dia passa por uma crise. A escola (tradicional) não é um lugar onde nasce a criatividade, é uma fábrica cinza de pensamentos prontos onde os alunos que tiram as melhores notas não são os mais inteligentes e sim os que conseguem se adaptar ao sistema. Nessa lógica que a escola vive hoje, nós deixamos presos em recuperações e reprovações essas possíveis mentes criativas que em frente a essas dificuldades acreditam que há realmente algo de errado com elas e não com o sistema.
Não fiquei de todo traumatizado. Não tenho medo de ler um jornal e pensar, não tenho medo de ser crítico e curiosamente hoje em dia uma das coisas que eu mais gosto de fazer é poder escrever resenhas para meu blog literário e poder de fato "interpretar" meus textos. Ainda acredito que não os faço da maneira mais correta o possível e há muita gente que lê o que escrevo que diz que não sei interpretar. Mas eu tenho esse pequeno espaço na internet que durante meu ensino médio e até hoje é onde posso escrever o que penso e o que acho sobre todos os livros que leio sem ter uma professora na minha frente entortando o nariz.

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