segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A Cabanga e O Diabo - 1º Dia #1

Postei este texto que escrevi inteiramente no meu blog pessoal, mas como o texto é muito extenso, resolvi postar aqui no blog em partes. Dividi o texto em 1º e 2º dia, cada um divido em suas partes.


Às quatro horas e alguns minutos da manhã, eu acordo nervoso pelo dia que vem. Uma das grandes desvantagens de se alcançar os dezoito anos no Brasil, para um homem, sem dúvidas é essa, ter que se alistar obrigatoriamente. Uma das coisas engraçadas sobre nós, somos livres, mas temos tantas "obrigações" que fazem garantir que a democracia funciona com ou sem nosso interesse. Então resolveram pegar uma porrada de garoto de 18 anos e expô-los a uma bateria de exames inúteis, como um teste para retardados, uma sessão de nudez, uma entrevista sobre drogas e duas horas em pé debaixo do sol esperando a morte da bezerra.


É o quarto dia ao longo deste longo ano de 2013 em que tenho que me reportar a algum lugar aleatório por causa desta documentação de reservista militar que não consigo nunca. O primeiro dia foi lá em março, eu tolo pensei que acabaria ali mesmo e que poderia voltar para casa, fiquei debaixo do sol, às seis da manhã, numa fila com mais quinze outros garotos da zona norte do Recife. O segundo dia, eu deveria voltar ao mesmo lugar para receber designação para um outro lugar, estas coisas não fazem sentido, no dia que fui lá descobri que estavam fechados e deveria ir no mesmo dia ainda para o outro lado da cidade antes das oito horas para não perder nada. O terceiro dia também falhou, cheguei tarde em relação ao cedo, quando cheguei lá já eram mais de duzentos em frente a um trailer onde um pequeno homem gritava o nome de um por um separando entre os que iriam ao cabanga e os que eram liberados por falta de vaga lá. Uns dias mais tarde meu pai vai lá só e consegue o carimbo que me leva para o 7º DSUP, no desconhecido bairro da Cabanga.
Eu não tenho muito noção de direção sobre o Recife. Agora que estão dividindo a cidade em quatro zonas (Cidade, Norte, Sul e Oeste) eu comecei a me situar um pouco melhor do que antes. O colégio que frequentei era no bairro ao lado, os cursos de inglês no mesmo bairro, o shopping num bairro próximo, os amigos também, então logo, eu cresci minha pré-adolescência e adolescência confinado ao pequeno território que os bairros das Graças, dos Aflitos e da Jaqueira formam. Quando me falaram que precisei ir ao Cabanga eu pensei que estaria indo para longe pois me falaram que era no meio do mato e quando cheguei lá, pareceu verdade.


Ao redor da área militar onde fica o centro de seleção militar havia muitas árvores, uma longa mata se alastrava para longe ao horizonte. As casas pequenas e modestas e uma assembleia de deus em construção me falaram que o Cabanga era sem dúvidas muito longe de casa. Como havia dormido no caminho, qualquer coisa era possível.


> Chegada no Cabanga


Só o diabo poderia ter me acordado, não havia pessoa mais mal-humorada num raio de um ano-luz. Torci para que não me acompanhasse ao longo do dia. Quando acordo um pouco, estou passando ao lado de um viaduto e meu pai avisa que estamos no Cabanga, mais a frente encontramos dois ônibus estranhamente parados no meio do corredor e logo vimos uma mulher inconsciente estirada no chão, os motoristas no meio fio e policiais examinando a atropelada. "Bem vindo ao Cabanga" disse o diabo.
Cheguei lá junto com meu irmão (meu gêmeo) sem enxergarmos uma única pessoa, um bom sinal até então, ao passarmos por uma pequena porta encontramos uma fila modesta formada por oito pessoas e olho para Daniel já sorrindo "finalmente acordar cedo valeu de algo".

Um soldado se aproxima e já vai perguntando pelos CAMs (Certificado de Alistamento Militar), eu os tiro de uma pasta lilás e os entrego ao soldado que pede que sigamos em fila indiana atrás dele. Eu acreditei que ele tenha recebido alguma ordem de nos atender mais rápido, o que logo se prova errado, quase entramos numa recepção com no umas cento e cinquenta pessoas sentadas. Meu coração já palpita mais forte, "vou ter que esperar horas e horas, esta manhã vai ser um inferno", o rapaz... tá ok, vamos lá receber ordem.

O diabo me empurra para o fundo da sala, levanto a cabeça e reconheço um amigo no meio da multidão. Nos formamos juntos e é um dos poucos do colegial que ainda me comunico. Aceno para ele rapidamente e me misturo ao cinza da multidão. Logo o soldado da primeira cena entrega para nossa fileira um conjunto de fichas que correspondiam à nossa chamada para pegarmos uma outra ficha.
Se você ainda não percebeu, os militares são bastante burocráticos. Marca-se um dia para se marcar outro. Pega-se uma ficha para se pegar outra. É uma coisa muito sem noção.


Em alguns minutos descubro que me chamarei Número 134 pelo resto da manhã. Em algumas horas finalmente escuto alguém me chamar pelo meu nome novo. Meu irmão e eu nos separamos aqui, ele era Número 105. Formo uma fila com os outros 130s e vamos para dentro de uma sala de aula, nos mandam sentar na penúltima coluna, mas logo um sotaque carioca soa bem alto e nos manda de volta para a recepção. Ele se confundiu com os números.


E lá estava eu de volta ao limbo que era aquela recepção. Meu irmão ainda estava lá sentado umas cadeiras longe de mim, não dava para nos comunicar e como não tinha celular e a televisão não recebia nenhum sinal decente, eu me entretenho escutando a conversa dos outros.


Um grupo de garotos sentaram a frente de mim e compartilhavam fotos de seus filhos. Eram cinco e todos pertenciam à mesma escola estadual. Um pergunta para o outro a experiência de descobrir que será pai e ainda tiram onda de suas ex-namoradas, mães de seus filhos por terem que passar todos os dias com o "pirralha" enquanto iam para o brega "pegá as nêga". Eles sem dúvidas foram assustadores, mas em poucos minutos, meu nome é chamado "Número 134, Número 134!"


Nos mudaram para uma fileira de dez cadeiras em frente a uma sala com uma placa que dizia "Avaliação Física". Pensei "MERDA! É aqui então que rola a nudez." Haviam me falado que eu iria ter que ficar nu no Cabanga, mas nunca levei a sério, há quem diga que temos que ir pro meio do mato comer ração, mas isso não se concretizou glória a Deus. Eu estava com dez outros caras totalmente estranhos que moravam em lados totalmente opostos, em mundos totalmente diferentes do meu, com isso eu conclui: "Essa galera nunca me verá... que seja."

Nenhum comentário:

Postar um comentário