segunda-feira, 25 de março de 2013

Um homem que lia

Toda essa cena durou apenas uns segundos. O tempo que levo para andar do cinema à portaria do meu prédio. Fiquei tão preso e obcecado por aqueles segundos em que observei por acidente aquele homem que andei devagar para observar mais, mas ao mesmo tempo tentando não parecer assustador.
Próximo ao muro que separa meu prédio da galeria onde fica o cinema está o lixeiro dessa. Todos os dias, ao anoitecer, antes que o caminhão do lixo apareça na madrugada, uns carroceiros aparecem logo, como urubus desesperados por dias melhores. Eles abrem saco por saco, atrás de latas, papelão e garrafas para poderem vender a centavos malditos vindos dos bolsos dos coroneis do lixão e suas oficinas de reciclagem disfarçadas de caridade.
Sempre que passo ali, após sair da última sessão do dia do cinema, me sinto errado. Olho para as minhas roupas e logo miro o meu prédio rapidamente. Tenho tudo isso, roupas e um quarto confortável me aguardando. A poucos metros de mim está um homem com a realidade terrivelmente oposta a minha. Vítima do destino. Mas naqueles segundos foi diferente, eu me senti igual a ele.
Sentado próximo aos sacos de lixo e a uns três metros de mim, ele segurava um livro de umas quatrocentas páginas na altura dos olhos. Na capa dura azul estava o título gravado em  ouro, provavelmente uns desses livros antigos que as pessoas acumulam nas estantes por pura vaidade. Com o silêncio que já invadia as ruas dos Aflitos às nove horas da noite, graças a cultura de medo dos recifenses, ele se concentrava na sua leitura.
É isso! Livro é algo muito mais forte do que qualquer bem desejado. Você pode trabalhar horas para poder se dar a futilidade de muitas coisas, mas literatura não tem valor. Os pessimistas que falem dos preços. Que cobrem quanto quiser pela capa ou miolo. As histórias que um amante da leitura caça ao longo da sua vida não existem para o pessimista, elas só tomam forma na imaginação do leitor.
O livro é um pássaro e uma estante é apenas uma gaiola. Quando soltos, eles podem cantar suas melodias para vários marginalizados a fim de amenizar a dor que é viver.

Um comentário:

  1. Gostei da sua crônica. Do blog aliás, já estou seguindo ele, e seu canal do youtube (foi lá onde encontrei seu blog). Gostei dos vídeos :D
    http://www.blogsonhoselivros.blogspot.com.br/

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